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Há aumento de risco cardiovascular na população transgênero?

Escrito por Erik Trovao

Uma das maiores dúvidas relacionadas à reposição hormonal cruzada em indivíduos transgênero refere-se ao seu potencial efeito no aumento de risco cardiovascular (CV). Afinal, os esteroides sexuais parecem exercer um papel significativo na saúde cardiovascular. Homens cisgênero, por exemplo, possuem maior risco de doença coronariana, o que tem sido atribuído, em parte, à testosterona. Já em relação ao pretenso papel protetor do estrógeno em mulheres cisgênero, isso não tem sido comprovado, inclusive em alguns estudos que mostraram aumento do risco cardiovascular com a reposição estrogênica.

Se o papel dos esteroides sexuais na saúde CV é cercado de complexidade e dúvidas na população cisgênero, os questionamentos são ainda maiores na população transgênero, cujos estudos são ainda mais escassos e falhos. Além disso, sabemos que o tipo de esteroide sexual utilizado, sua via de administração e a associação ou não com drogas anti-androgênicas (no caso de mulheres transgênero) poderia influenciar os resultados dos estudos.

Soma-se a isso o grande número de fatores confundidores presentes na população transgênero: menores condições socioeconômicos, maior “estresse de minoria”, maior prevalência de tabagismo, condições que sabidamente podem elevar o risco cardiovascular.

Não à toa, os estudos que tentaram avaliar o risco CV em homens e em mulheres transgênero possuem resultados conflitantes e heterogêneos. Enquanto alguns apontaram não haver aumento de risco com a reposição hormonal cruzada (exceto quando o etinilestradiol era usado em mulheres transgênero, tipo de estrógeno que deve, portanto, ser evitado), outros demonstraram o inverso. Todos, no entanto, possuem limitações metodológicas.

Numa tentativa de trazer mais luz a esses questionamentos, foi publicado este ano uma revisão sistemática e metanálise sobre o tema. O objetivo principal do estudo foi comparar o risco CV entre mulheres transgênero e homens cisgênero e entre homens transgênero e mulheres cisgênero. A população transgênero foi, portanto, comparada com o gênero de nascimento.

Os desfechos primários avaliados foram: acidente vascular cerebral (AVC), infarto agudo do miocárdio (IAM) e tromboembolismo venoso (TV). Foram incluídos 22 estudos, totalizando 19.893 mulheres transgênero, 14.840 homens transgênero, 371.547 homens cisgênero e 434.700 mulheres cisgênero. Mas apenas 10 destes estudos apresentavam um grupo controle.

O risco CV foi maior entre mulheres transgênero e homens transgênero quando comprados aos grupos controles. Nas mulheres transgênero, a incidência de AVC foi de 1,8% (1,3 vezes maior que no grupo controle), a de IAM foi de 1,2%  (mas apenas 2 dos 5 estudos que avaliaram IAM mostraram aumento do risco) e a de TV foi de 1,6% (2,2 vezes maior). O risco relativo de todos os eventos combinados foi de 1,4.

Em homens transgênero, a incidência de AVC foi de 0,8% (1,3 vezes maior que em mulheres cisgênero), a de IAM foi de 0,6% (1,7 vezes maior) e a de TV foi de 0,7% (1,4 vezes maior). O risco relativo de todos os eventos combinados também foi de 1,4.

Vale ressaltar, no entanto, que, de acordo com os autores, a maioria dos estudos incluídos na revisão apresentavam alto risco de vieses. O tipo de esteroide sexual utilizado e as vias de administração, por exemplo, foram bastante heterogêneas, o que claramente pode ter interferido nos resultados. E nenhum dos estudos incluídos controlou seus achados para outros potenciais fatores confundidores, como tabagismo e condições socioeconômicas.

Desta forma, os autores reforçam que, embora acreditem haver um papel desempenhado pela reposição hormonal no potencial aumento de risco CV, é muito provável que outros fatores contribuam para este achado, como o estresse emocional causado pela exclusão, violência e preconceito e a menor condição socioeconômica. Além disso, o grupo de indivíduos transgênero foi comprado apenas com o gênero de nascimento, não havendo dados comparando estes indivíduos com o gênero de identificação.

Por outro lado, seus resultados reforçam que, independente dos fatores contribuintes para um maior risco cardiovascular na população transgênero, é fundamental que os fatores de risco CV sejam controlados tanto em homens quanto em mulheres transgênero com foco na prevenção. É importante, assim, estimular hábitos de vida saudáveis, controlar o peso, combater o tabagismo, melhorar a saúde mental e vigiar pressão arterial, perfil lipídico e glicemia.

Além disso, esta e outras publicações abrem caminho para que novos e maiores estudos sobre o tema sejam realizados, com inclusão de um número maior de participantes e controle de fatores confundidores para se avaliar o real efeito da reposição hormonal cruzada na saúde cardiovascular.



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Sobre o autor

Erik Trovao

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