Nos últimos anos, tem se tornado popular entre mulheres, no Brasil, o uso do hormônio sintético gestrinona na forma de implante subcutâneo. Tal popularidade deve-se, principalmente, aos efeitos estéticos promovidos pela substância, como redistribuição da gordura corporal e aumento de massa muscular, o que rendeu ao implante o nome de “chip da beleza”. Embora alguns médicos a estejam prescrevendo como método contraceptivo ou de reposição hormonal, são os efeitos estéticos que têm atraído a população feminina, estimuladas por artistas e influencers digitais usuárias do hormônio. Mas será que a gestrinona tem efetividade comprovada? E ainda mais importante: é segura?
A gestrinona é uma substância derivada da 19-nortestosterona, apresentando efeitos anti-progestogênico, anti-estrogênico, anti-gonadotrófico e androgênico. Na prática clínica, foi mais utilizada no passado como tratamento para endometriose. No entanto, não existe nenhum estudo randomizado que a compare com placebo nesta condição. E aqueles estudos que a comparam com outras drogas também indicadas para endometriose, em geral, mostraram maior risco de efeitos adversos com a gestrinona.
Não à toa, nos dias atuais, ela não faz parte do arsenal de primeira escolha para tratamento da endometriose. E deve ser utilizada apenas na ausência de efetividade de outras opções terapêuticas desde que na ausência de efeitos colaterais. Vale ressaltar ainda que, mesmo seguindo esta indicação, a medicação é feita por via oral em doses de 1,25 a 2,5mg, não havendo nenhuma indicação do seu uso na forma de implante subcutâneo.
É o efeito androgênico do hormônio que é responsável pelos seus principais efeitos colaterais: hirsutismo, acne, alopecia androgenética, clitoromegalia e mudança da tonalidade da voz (esta última de caráter irreversível mesmo após a suspensão da droga). Além disso, a substância possui efeitos anabólicos reconhecidos, o que a fez ser considerada como doping pela World Anti-Doping Agency.
Mas os efeitos adversos citados acima são apenas aqueles conhecidos a médio prazo. Nenhum estudo avaliou a sua segurança a longo prazo. O maior temor é em relação aos potenciais riscos cardiovasculares que podem estar associados às substâncias anabolizantes. Além disso, há preocupação também em relação a possíveis danos hepáticos a depender da dose utilizada.
Desta forma, ao iniciar o uso, a mulher pode até referir, a curto prazo, melhora em sintomas relacionados à indisposição, fraqueza e redução da libido (sintomas de causa multifatorial e, muitas vezes, de origem psicossocial) devido ao efeito androgênico e anabólico do hormônio. A médio prazo, entretanto, os efeitos androgênicos indesejáveis podem começar a aparecer. E, a longo prazo, um grande ponto de interrogação bloqueia qualquer previsão de risco.
Para outras indicações, como contracepção hormonal, não há indicação da droga, muito menos estudos que avaliem eficácia e segurança. Como reposição hormonal, não há nem mesmo plausibilidade biológica considerando seus efeitos anti-estrogênico e anti-progestogênico. O que acontece, na prática, é que estes implantes, confeccionados em farmácias de manipulação, contém, muitas vezes, não apenas a gestrinona mas também outros hormônios. Estas outras substâncias e muito menos as doses utilizadas de cada uma delas, frequentemente, não são de conhecimento da paciente. E quando a mesma procura um profissional para lidar com os efeitos adversos não há como saber o que exatamente o seu organismo estava absorvendo.
Vale ressaltar ainda que não há registro sanitário ativo da gestrinona no Brasil junto à ANVISA e nem mesmo pedidos de análise no banco de dados do órgão. E, em dezembro de 2021, inclusive, a ANVISA proibiu a propaganda de insumos contendo esta substância e a classificou como um risco para a saúde pública. Tal medida foi uma resposta ao posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) que, em 2021, lançaram nota condenando o uso da gestrinona.
Portanto, considerando a escassez de estudos de efetividade para qualquer fim de implantes subcutâneos de gestrinona, o conhecido risco de efeitos adversos anabolizantes e a completa falta de conhecimento sobre os riscos a longo prazo, a prescrição da gestrinona em uma apresentação que sequer foi estudada adequadamente não vai apenas de encontro à Medicina Baseada em Evidências mas fere princípios éticos básicos que regem a conduta médica.