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Hipogonadismo masculino: um diagnóstico mais complexo do que se imagina!

Escrito por Erik Trovao

Na prática clínica, não é raro que o endocrinologista se depare com diagnósticos duvidosos de hipogonadismo masculino. Afinal, nem sempre os níveis de testosterona sérica são inquestionavelmente baixos, mantendo-se em uma zona cinzenta mesmo após a repetição do exame. Contribui para este problema: a falta de definição de um ponto de corte ideal para o limite inferior da normalidade da testosterona tanto total quanto livre; e a dosagem laboratorial por ensaios falhos e não padronizados.

A dosagem sérica da testosterona total é considerada o exame de triagem inicial diante da suspeita de hipogonadismo masculino. Mas diferentes sociedades sugerem pontos de corte diversos: Endocrine Society: 264 ng/dl; International Society for the Study of the Aging Male (ISSAM): 350 ng/dl; American Urological Association: 300 ng/dl; British Society for Sexual Medicine: 231 ng/dl.

Com esta falta de consenso, encontramos a primeira dificuldade para um correto diagnóstico da deficiência de testosterona em homens. No entanto, esta dificuldade diminui quando associamos a alteração laboratorial com a clínica do paciente. Não à toa, a última diretriz da Endocrine Society sobre o tema estabelece que o diagnóstico de hipogonadismo masculino apenas deve ser feito na presença de sinais e sintomas característicos da doença associados a níveis inequívocos e consistentemente baixos de testosterona total e/ou livre.

Desta forma, a presença de níveis discretamente baixos de testosterona total em pacientes assintomáticos ou apenas com sintomas inespecíficos não estabelece o diagnóstico e, assim, não indica a terapia de reposição com testosterona. Vale ressaltar também que, durante a avaliação clínica, devemos procurar por sinais e sintomas mais específicos da doença, como desenvolvimento puberal atrasado ou incompleto, diminuição do tamanho dos testículos, perda de pelos corporais, redução de ereções espontâneas durante a noite, ginecomastia e infertilidade.

Na presença das alterações clínicas citadas acima, o diagnóstico de hipogonadismo se torna mais provável. No entanto, precisamos ter cuidado com sinais e sintomas inespecíficos e bastante comuns na população geral, como astenia, fraqueza muscular, humor deprimido, sonolência, ganho de peso e obesidade abdominal. Embora estes possam ser consequentes à deficiência androgênica, sua presença isolada associada a níveis discretamente reduzidos de testosterona total não é suficiente para fechar o diagnóstico.

Para complicar ainda mais o diagnóstico, é preciso também estar atento ao ensaio utilizado para a dosagem da testosterona total, já que dificilmente os laboratórios usam o método considerado ideal: a cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massa (LC-MS). Além disso, essa dosagem está sujeita a uma série de situações clínicas que podem falsear seu resultado para mais ou para menos por interferirem nos valores séricos da globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG).

Situações que aumentam a SHBG elevarão os níveis de testosterona total, já que este exame mensura não apenas a fração livre mas também o hormônio ligado à SHBG e à albumina. Da mesma forma, condições que reduzem a SHBG levarão a níveis falsamente baixos de testosterona total. Na presença de qualquer uma destas situações, recomenda-se, portanto, que a testosterona livre seja dosada:

       A) Condições que aumentam SHBG: envelhecimento, hipertireoidismo, cirrose hepática, infecção pelo HIV, deficiência de         GH, uso de estrógenos, SERMS ou anti-convulsivantes.

       B) Condições que reduzem SHBG: obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e síndrome metabólica, hipotireoidismo, síndrome           nefrótica, acromegalia, uso de andrógenos, glicocorticoides ou progestógenos.

A dosagem da testosterona livre também está indicada quando os níveis séricos de testosterona total são duvidosos, como quando entre 200 e 400 ng/dl. Entretanto, dosar a fração livre da testosterona não é simples. Afinal, o único método considerado ideal para esta mensuração, a diálise de equilíbrio, não está disponível na prática clínica. Desta forma, recomenda-se contra a dosagem direta por outros ensaios e aconselha-se que a testosterona livre seja calculada a partir da dosagem da testosterona total, da SHBG e da albumina.

O cálculo da testosterona livre é o método que mais se aproxima da dosagem realizada por diálise de equilíbrio, mas, mesmo assim, ainda pode ter erros, especialmente quando a testosterona total não for dosada por LC-MS. Para o cálculo, basta acessar a calculadora fornecida pela ISSAM.

Mas como se já não bastasse tantos problemas associados com este diagnóstico, aqui nos esbarramos em outro: qual seria o ponto de corte ideal da testosterona livre? Mais uma vez, as diferentes sociedades não apresentam consenso. A ISSAM, por exemplo, sugere o limite de 6,5 a 7 ng/dl, enquanto a Endocrine Society orienta o uso do limite inferior de referência estabelecido pelo laboratório. Como, na prática clínica, acabaremos lançando mão da calculadora fornecida pela ISSAM e não da dosagem pela diálise de equilíbrio, talvez seja mais sensato utilizarmos o ponto de corte de 6,5 a 7,0 ng/dl.

Percebe-se, portanto, que diante de tanta complexidade na hora de dosar e interpretar os níveis séricos de testosterona total e livre, o clínico pode facilmente acabar fornecendo um diagnóstico incorreto ao paciente e, consequentemente, estabelecer uma terapia desnecessária, causando, assim, mais riscos do que benefícios.

Portanto, é fundamental que, ao iniciar a investigação do hipogonadismo masculino, estejamos atentos a todas as particularidades citadas acima. E que apenas fechemos o diagnóstico na presença de uma clínica compatível, de preferência com sintomas específicos. A dosagem isolada da testosterona não deve, desta forma, guiar nossa conduta e sua solicitação de rotina em pacientes sem indicação deve ser desencorajada.



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Sobre o autor

Erik Trovao

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