Há muitas dúvidas sobre quais seriam os benefícios da reposição hormonal no indivíduo transgênero. Eles existem além do objetivo de propiciar adequação das características físicas em relação à identidade de gênero? E se existem, eles superam os riscos?
A resposta para a primeira pergunta é: sim, eles existem. E são, em especial, relacionados à saúde mental. Como sabemos, há uma alta prevalência de problemas psiquiátricos na população transgênero, variando de 40 a 70% de acordo com a série. E o risco de depressão, ansiedade e ideação suicida entre transgêneros é 2 a 3 vezes maior do que na população geral.
No Brasil, estudo publicado em 2023, mostrou que 72,3% dos indivíduos transgênero avaliados já haviam apresentado ideação suicida e 42,7% relataram tentativa de suicídio. Não à toa, o suicídio é uma das principais causas de morte entre os indivíduos transgênero e um dos responsáveis pela baixa expectativa de vida desta população no Brasil.
Mas qual seria, então, o efeito da reposição hormonal cruzada sobre estes problemas psiquiátricos? Uma série de estudos, nos últimos anos, têm demonstrado um efeito positivo:
- Estudo alemão de 2015, demostrou que o uso de testosterona em homens trans e de estrógeno em mulheres trans por um período de 10 anos reduziu os problemas psicológicos (depressão e ansiedade) e aumentou a satisfação com a vida.
- Na Itália, em 2016, outro estudo demonstrou que reposição hormonal nos transgêneros, após um período de 2 anos de seguimento, reduziu os sintomas depressivos.
- Estudo do Reino Unido de 2021 avaliou o efeito da reposição hormonal cruzada sobre a depressão durante um ano e meio, apresentando um resultado também positivo.
- Em 2022, foi publicado os dados de um estudo que avaliou mais de 5 mil indivíduos transgênero jovens, comparando aqueles que estavam em uso de reposição hormonal com aqueles que não usavam. Entre os que usavam, houve uma redução significativa de ideação suicida.
- Em 2023, estudo publicado no New England Journal of Medicine demonstrou que, em 315 indivíduos transgênero jovens em uso de reposição hormonal, houve redução da depressão e da ansiedade e um aumento da satisfação com a vida e, como esperado, da congruência da aparência. E este aumento da congruência entre as características físicas e a identidade de gênero se correlacionou significativamente com a redução da depressão e da ansiedade.
Fica claro, portanto, que há benefícios sobre a saúde mental quando a reposição de testosterona é iniciada em homens trans e a o estrógeno é iniciado em mulheres trans. Benefícios que não apenas melhorarão a qualidade de vida destes indivíduos como potencialmente aumentarão a sobrevida por reduzir o risco de suicídio.
Ao mesmo tempo, os riscos não são frequentes e, quando presentes, são facilmente manejados na maioria dos casos. A maior preocupação seria com os casos de tromboembolismo em mulheres trans, mas que podem ser prevenidos com a escolha correta do tipo de estrógeno (sendo contraindicado o uso de etinilestradiol) assim como da melhor via de administração (preferindo-se a via transdérmica em mulheres trans com fatores de risco).
Há de se ressaltar que a segurança cardiovascular, especialmente a longo prazo, ainda precisa ser melhor estudada. No entanto, diante das melhores evidências atuais, podemos afirmar que os benefícios da reposição hormonal em indivíduos transgênero superam os riscos.