É comum o endocrinologista se deparar, em consultas ambulatoriais, com mulheres que dosaram a testosterona sérica sem indicação clínica para isso. Muitas vezes, por apresentar níveis fora da faixa de referência mostrada pelo laboratório, a paciente, que não apresenta qualquer problema clínico, chega angustiada e repleta de dúvidas. Portanto, não devemos solicitar o exame em quem não tem indicação, o que nos leva ao questionamento: quando dosar a testosterona sérica na mulher?
Basicamente, há apenas uma grande indicação bem estabelecida para a dosagem de testosterona na mulher: a presença de sinais clínicos de hiperandrogenismo. Em mulheres na idade fértil, a presença de hirsutismo, alopecia androgenética e/ou acne podem ser indicativos da síndrome dos ovários policísticos ou de alguma outra condição menos frequente, como hiperplasia adrenal congênita forma não clássica. Em boa parte das mulheres com estas condições os níveis de testosterona total e/ou livre estarão elevados.
Na presença de virilização (clitoromegalia, aumento da tonalidade da voz, hipertrofia muscular), independente da idade da mulher, a dosagem de testosterona sérica se impõe uma vez que níveis altos da mesma (em geral, acima de 150 a 200 ng/dl) indicam a presença de tumor androgênico, presente no ovário ou no córtex da adrenal.
Obviamente, crianças do sexo feminino com puberdade precoce do tipo heterossexual (desenvolvimento de caracteres sexuais masculinos) também devem dosar a testosterona sérica que, uma vez alta, pode indicar uma fonte produtora de andrógenos como a hiperplasia adrenal congênita.
Percebam, portanto, que a dosagem de testosterona, independente da idade da mulher, só se justifica quando existe a suspeita clínica do seu excesso. Por outro lado, não há indicação de realizar a dosagem procurando por “deficiência androgênica”, já que não há nenhuma evidência da existência desta condição.
Afinal, os níveis séricos da testosterona não parecem se correlacionar com a função sexual da mulher, mesmo quando abaixo do limite interior da normalidade fornecido pelo laboratório. Ao contrário do que muitos colegas médicos e a população leiga acreditam, não podemos afirmar que níveis baixos de testosterona são causa de redução da libido e da disfunção sexual.
Na verdade, a função sexual da mulher é complexa e multifatorial e os níveis de andrógenos circulantes não são capazes de refletir esta complexidade. Doenças crônicas, fatores emocionais, problemas de relacionamento, desordens anatômicas e metabólicas e uso de medicamentos são apenas alguns dos fatores que podem estar contribuindo para a queda de libido da mulher.
A diretriz da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sobre a terapia com testosterona para mulheres com redução do desejo sexual, em concordância com as sociedades internacionais, não recomenda a dosagem de testosterona sérica nestas situações. E reforça que o diagnóstico de desordem do desejo sexual hipoativo é clínico e não depende de valores séricos dos andrógenos.
Portanto, precisamos saber quando indicar corretamente a dosagem da testosterona sérica em mulheres, reservando-a apenas para a pesquisa de hiperandrogenismo. E, mais importante ainda: não esquecer que testosterona não é exame de rotina em mulheres de qualquer idade.