Mulheres com diabetes mellitus (DM) preexistente necessitam de ajustes no seu regime farmacológico para atender às mudanças nas demandas metabólicas que surgem durante a gestação. No diabetes mellitus gestacional (DMG), a intervenção precoce com insulina ou um agente oral é fundamental para alcançar os alvos terapêuticos quando a terapia nutricional não fornece controle glicêmico adequado. Em ambos os casos, a metformina surge como opção de terapia farmacológica. Mas quando devemos iniciar tal agente?
A metformina é um antidiabético oral que exerce sua ação hipoglicemiante através da diminuição da produção hepática de glicose, inibindo a gliconeogênese. Além disso, aumenta a captação de glicose mediada por insulina em tecidos periféricos (como músculo e fígado). Na gestação, os potenciais benefícios do uso da metformina incluem redução da glicemia e da resistência à insulina. No entanto, como as concentrações fetais da metformina são semelhantes ou superiores às da mãe, existem potenciais preocupações de segurança.
O estudo MiTy, publicado em 2020, foi um ensaio randomizado e controlado por placebo que investigou os efeitos da adição de metformina a um regime padrão de insulina, em gestantes com DM2. Não foram observadas diferenças quanto ao desfecho primário (um composto de desfechos fetais e neonatais). No entanto, as mulheres do grupo metformina tiveram um ganho de peso global menor durante a gravidez, com -1,8 kg (p < 0,0001). Além disso, tais participantes apresentaram níveis menores de HbA1c, necessitaram de doses mais baixas de insulina e foram menos propensas a necessitar de parto cesáreo.
No clássico estudo MiG, que comparou uso da metformina com uso de insulina em mulheres portadoras de DMG, a metformina foi associada a menor ganho de peso materno do início do estudo até 36 semanas de gravidez. Na coorte “Metformin in Gestational Diabetes: The Offspring Follow-Up” (MiG TOFU), os filhos de mulheres incluídas no estudo MiG foram acompanhados e avaliados de forma prospectiva. A avaliação aos sete anos em um dos centros que mantiveram seguimento clínico não encontrou diferenças em medidas antropométricas. Por sua vez, a análise aos nove anos de outro centro evidenciou maiores medidas de peso, circunferência do braço e da cintura, além de maior relação cintura/altura. Se forma semelhante, uma meta-análise publicada em 2019 concluiu que a exposição à metformina resultou em maior IMC na infância.
A atual diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda o uso da metformina em casos de DMG, como uma alternativa em caso de inviabilidade do uso de insulina. A metformina também deve ser considerada naquelas pacientes que necessitam de altas doses de insulina (> 2UI/kg/dia), sem controle glicêmico adequado, além dos casos de ganho de peso excessivo materno ou fetal. No que se refere às mulheres portadoras de DM2, a diretriz brasileira recomenda considerar o uso da metformina associada à insulina, principalmente naquelas pacientes com ganho de peso excessivo ou fetos grandes para a idade gestacional. O guideline da American Diabetes Association, por sua vez, coloca a insulina como terapia de escolha para os casos de DMG e DM preexistente, ressaltando que a metformina não deve ser utilizada como agente de primeira linha.
Diante dos dados apresentados e comparando os diferentes guidelines, a opinião deste autor é que as diretrizes brasileiras nos apresentam, de forma mais clara, maiores possibilidades de incorporar a metformina ao tratamento da hiperglicemia na gestação, levando em consideração os principais benefícios observados em diferentes estudos no que se refere à redução das necessidades diárias de insulina, além de menor ganho de peso materno e fetal.