A obesidade é uma das principais causas evitáveis de doenças cardiometabólicas e mortalidade, principalmente pela associação a comorbidades como intolerância à glicose e diabetes tipo 2, dislipidemia e hipertensão, componentes da conhecida síndrome metabólica. Estimativas apontam que o excesso de peso foi associado a 4 milhões de mortes no mundo em 2015, mais de dois terços desses casos relacionados a doenças cardiovasculares. A semaglutida, aprovada em 2023 pela ANVISA para o tratamento da obesidade, parece surgir como alternativa na redução desses eventos.
O estudo SELECT, apresentado no congresso da American Heart Association e simultaneamente publicado na NEJM, avaliou o efeito da semaglutida na redução de eventos cardiovasculares em pacientes com obesidade. Participaram 17.604 pacientes (idade média de 61,6 anos e IMC 33,3 kg/m2) com alto risco cardiovascular (prevenção secundária – 95% com IAM e/ou AVC prévios). Após um seguimento médio de 40 meses, o grupo em uso de semaglutida alcançou uma redução de 20% no risco de novos eventos (morte cardiovascular, AVC e IAM não fatais). Os desfechos secundários confirmatórios (morte cardiovascular, insuficiência cardíaca ou morte por qualquer causa) foram numericamente reduzidos, porém sem significância estatística. Os benefícios foram consistentes em todos os subgrupos pré especificados.
Ao final do estudo 77% dos pacientes alcançaram a dose máxima (2,4mg). O uso da semaglutida levou a redução ponderal (-9,4%) e de circunferência abdominal, com melhora de marcadores inflamatórios (principalmente PCR). O tratamento em geral foi bem tolerado, com taxa de descontinuação relacionada aos eventos adversos de 16%. A maioria desses eventos foi relacionada a efeitos gastrointestinais.
Os mecanismos de redução do risco cardiovascular com semaglutida podem incluir aqueles relacionados a redução do excesso de gordura corporal, bem como de ações além da perda de peso. A redução de peso em indivíduos com obesidade leva a melhora nos níveis glicêmicos, lipídicos e de outros tradicionais fatores de risco intermediários (como a PCR). Além disso, a redução nos depósitos de tecido adiposo ectópicos está associada a redução na progressão de aterosclerose e a disfunção miocárdica. Entretanto, ainda não está claro até que ponto os resultados do estudo dependeram da perda de peso. No estudo SUSTAIN-6, a semaglutida reduziu em 26% o risco de eventos cardiovasculares em pacientes com diabetes, apesar da redução do peso corporal ter sido de apenas 4 a 5% com o uso de doses menores.
Enfim, considerando a crescente prevalência da obesidade e sua associação com maior risco cardiovascular, o resultado do estudo SELECT não só reforça a segurança do tratamento com a semagllutida como traz perspectiva de ação na redução de eventos cardiovasculares.