O inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2), também conhecidos como gliflozinas, já demonstraram em diversos ensaios clínicos a capacidade de reduzir o risco de eventos cardiovasculares e renais em pacientes com ou sem diabetes mellitus tipo 2. É por isso que essa classe é recomendada atualmente como terapia de primeira linha para pacientes com DM2 e doença aterosclerótica estabelecida ou alto risco cardiovascular. No entanto, quase todos esses estudos, e os benefícios subsequentes, foram em populações ambulatoriais. De modo que há menos dados sobre o uso das glilfozinas em pacientes agudos, hospitalizados.
Vários fatores precisam ser consideradas ao discutir o uso dos iSGLT2 na população de pacientes internados. Há boas razões teóricas pelas quais seu uso pode ser benéfico em doenças agudas. Estas incluem, mas não estão limitados a reduções no estresse oxidativo, disfunção endotelial e função simpática. No entanto, o argumento contra o uso das glilfozinas no paciente internado baseia-se predominantemente no medo de precipitar a cetoacidose diabética – CAD, bem como hipovolemia ou infecções genitais fúngicas.
Pacientes com diabetes que estão em jejum ou com baixa ingestão de carboidratos, apresentam queda nas concentrações de insulina. Além disso, o uso de gliflozinas pode diminuir as concentrações de glicose, diminuindo ainda mais o estímulo para secretar insulina, ao mesmo tempo em que aumenta a secreção de glucagon. Concentrações elevadas dos demais hormônios contrarreguladores em doenças agudas promovem lipólise e, junto com as baixas concentrações de insulina, permitem a formação de cetonas. Se isso não for controlado, uma CAD pode ser precipitada.
Um comentário recentemente publicado no Diabetes Care, da autoria de Ketan Dhatariya analisa dois estudos nos quais os iSGLT2 foram utilizados em pacientes agudos internados. O estudo Dapagliflozin in Respiratory Failure in Patients with COVID-19 (DARE-19) teve 625 pessoas no braço dapagliflozina acompanhadas por 30 dias, um total de 51,4 pacientes-ano, com 2 casos de CAD. Da mesma forma, o ensaio Empagliflozin in Patients Hospitalized for Acute Heart Failure (EMPULSE) teve 125 pessoas com diabetes em uso de empagliflozina acompanhadas por no máximo 90 dias, um total de 30,6 pacientes-ano. O autor do comentário destaca que “embora não tenha havido casos de CAD no estudo EMPULSE, os dados do estudo DARE-19 equivaleram a uma taxa de quase 39 casos de CAD por 1.000 pacientes-ano. “
Em setembro de 2022 foi publicado, também na Diabetes Care, um estudo que buscou avaliar a segurança do uso das gliflozinas em pacientes hospitalizados por COVID-19. Os autores utilizaram dados de uma auditoria nacional realizada em 40 centros no Reino Unido pela Association of British Clinical Diabetologists (ABCD). Eles analisaram o uso de iSGLT2 e o risco subsequente de cetoacidose diabética ou morte em pessoas com diabetes tipo 2. Foi demonstrado um baixo risco de CAD e alta taxa de mortalidade em pessoas com DM2 internadas no hospital com COVID-19 , mas sem evidência de aumento do risco de CAD ou maior mortalidade intra-hospitalar.
Há contudo algumas limitações do estudo realizado pelo grupo ABCD. Não se sabe quantas dessas pessoas internadas no hospital estavam tomando iSGLT2 e pararam antes de entrar no hospital. É possível argumentar ainda que, como eles tinham diabetes de duração mais longa, eles teriam tido maior número de contatos com especialistas em diabetes e, então, estariam orientados quanto às “regras de dia de doença”, uma das quais diz que se você for internado no hospital, esses medicamentos devem ser interrompidos.
Dessa forma, ainda não temos evidências suficientes para recomendar o início ou manutenção das gliflozinas em pacientes com diabetes hospitalizados. Inclusive não dispomos ainda de estudos que tenham analisado o uso dessa classe no ambiente hospitalar para controle glicêmico. O atual guideline da ADA (2023) ressalta ” até que a segurança e a eficácia sejam estabelecidas, os inibidores de SGLT2 não são recomendados para uso rotineiro no hospital para controle do diabetes, embora possam ser considerados para o tratamento de pessoas com diabetes tipo 2 que têm insuficiência cardíaca”.