A doença hepática esteatótica já acomete 25% da população mundial, podendo chegar a números acima de 90% na população obesa. Abrange amplo espectro clínico, variando de esteatose (conteúdo aumentado de gordura hepática), a esteato-hepatite (NASH) onde ocorre inflamação e fibrose, podendo evoluir para cirrose e hepatocarcinoma. Apesar das complicações hepáticas, a principal causa de morte nessa população são as doenças cardiovasculares.
Nenhuma medicação tem aprovação formal para o tratamento da doença hepática esteatótica. As mudanças do estilo de vida (MEV), objetivando redução de peso corporal são a primeira escolha.Pioglitazona, orlistate, liraglutida, semaglutida e tirzepatida, além dos iSGLT2 canagliflozina, dapagliflozina e empagliflozina são agentes farmacológicos que já demonstraram potenciais benefícios, ficando reservados para a falha do tratamento não farmacológico e na eventual evidência de inflamação e/ou fibrose hepática.
Nesse contexto, ganha destaque um trabalho recém apresentado no encontro da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD), avaliando o uso da aspirina em doses baixas (81 mg) em pacientes com doença hepática esteatótica associada a distúrbio metabólico (MASLD). Foram avaliados 80 pacientes com MASLD, randomizados para aspirina ou placebo e acompanhados por 6 meses. No início do estudo, 36,3% dos pacientes apresentavam fibrose F2-F3, 44 haviam sido submetidos anteriormente à biópsia hepática, com 37 destes (84,1%) tendo esteato-hepatite confirmada.
Aos 6 meses, foi observada redução absoluta de 10,3% na gordura hepática, o que corresponde a uma redução relativa de -59,2% (P = 0,003). Além disso, o uso de aspirina também foi associado a reduções significativamente maiores nos níveis de transaminases hepáticas e rigidez hepática. A droga foi bem tolerada, com apenas 1 caso de descontinuação por evento adverso e sem casos de sangramentos importantes.
O estudo tem limitações consideráveis. O grupo placebo teve ganho de peso no período do estudo, com aumento absoluto de 4% no conteúdo hepático de gordura, o que possivelmente contribuiu para o benefício primário observado. Além disso, a pequena amostra e o tempo de seguimento curto também geram dúvidas. Por fim, o estudo ainda não foi devidamente publicado nem revisado por pares.
De toda forma, a aspirina já foi associada a potenciais benefícios hepáticos. Um estudo populacional sueco, publicado em 2020 na NEJM, em pacientes com hepatite crônica de etiologia viral, demonstrou redução de hepatocarcinoma e de morte por causas hepáticas em usuários de aspirina, após seguimento de 8 anos. Outro estudo, também populacional, demnonstrou redução no risco de hepatocarcinoma em pacientes com doença hepática esteatótica. Através da inibição da cicloxigenase-2 e da sinalização do fator de crescimento derivado de plaquetas, a aspirina teria efeitos antiinflamatórios e antitumorais no fígado.
Concluindo, em pacientes com MASLD sem cirrose, o uso de aspirina em doses baixas de aspirina levou à diminuição da gordura hepática e à melhoria dos marcadores de inflamação hepática e fibrose. Devemos aguardar a devida publicação dos dados, além do esperado estudo fase 3, devidamente planejado para confirmar tais benefícios.