Uma das condutas mais universais no tratamento da osteopenia e da osteoporose é a reposição de vitamina D com o objetivo de manter os níveis de 25-hidroxivitamina D (25OHD) acima de 30 ng/ml. Assim, embora nem todos os estudos sejam concordantes em relação ao efeito positivo desta suplementação sobre o risco de fratura, o potencial benefício esquelético da vitamina D gera bem menos polêmica do que algum potencial benefício extra-esquelético. Recente estudo publicado no New England Journal of Medicine, no entanto, vem colocar mais lenha nesta fogueira ao nos fazer questionar: a suplementação de vitamina D não reduz o risco de fratura?
Afinal, a conclusão deste ensaio clínico randomizado (o VITAL trial) foi de que a suplementação de 2000 UI ao dia de vitamina D3 não reduziu o risco de fraturas na população estudada. Em 2019, já haviam sido publicados os dados do VITAL trial referentes ao efeito da suplementação de vitamina D sobre desfechos cardiovasculares e câncer, também não demonstrando qualquer benefício.
E qual foi a população estudada? 25871 participantes saudáveis, sendo 50,5% do gênero feminino, com média de idade de 67,1 anos. Vale ressaltar que, no início do estudo, os participantes não foram selecionados para deficiência de vitamina D, baixa massa óssea ou osteoporose.
O tempo médio de seguimento foi de 5,3 anos e os desfechos primários avaliados foram: fraturas totais (qualquer fratura), fraturas não-vertebrais e fraturas de quadril. Ao final do acompanhamento, não houve diferença significativa para nenhum destes desfechos quando o grupo de pacientes recebendo vitamina D foram comparados ao grupo placebo.
A primeira pergunta que vem à mente após uma rápida olhada nestes resultados é: mas qual era o nível médio basal de 25OHD na população estudada? Afinal, cada vez mais estudos vêm demonstrando que a suplementação da vitamina D parece realmente não ter benefício em populações saudáveis sem deficiência.
E o nível basal médio de 25OHD no VITAL trial foi de 30,7 ng/ml. Os pesquisadores ainda dividiram os pacientes em dois subgrupos: um com uma mediana de 25OHD < 31 ng/ml e outro com mediana ³ 31 ng/ml; e, mesmo assim, continuou não havendo diferença em relação ao placebo no grupo com níveis séricos mais baixos.
No entanto, apenas 12,9% da amostra tinha níveis de 25OHD abaixo de 20 ng/dl e só 2,4% tinham níveis abaixo de 12 ng/dl. Será que se a maior parte dos pacientes selecionados tivessem deficiência mais grave de vitamina D, a ausência de benefício teria se repetido? De qualquer modo, os autores apontam que não seria ético manter indivíduos com níveis tão baixos com placebo.
Os autores também dividiram os participantes em um subgrupo que tinha osteoporose e outro sem este diagnóstico, não havendo também nenhuma diferença em relação ao placebo. Porém, de novo, a parcela de pacientes em tratamento para osteoporose era muito baixa: 4,8%.
Outros subgrupos analisados: mediana da idade < 66,7 anos x mediana ³ 66,7 anos; homens x mulheres; mediana de IMC < 27,1 x ³ 27,1; história de fratura de fragilidade prévia x ausência de fraturas prévias; suplementação de cálcio de até 1200 mg/dia x nenhuma suplementação. Nenhuma diferença foi encontrada em nenhum dos subgrupos.
Em relação à suplementação de cálcio, vale ressaltar que ela estava presente em apenas 20% dos participantes. Este é um dado importante pois, até hoje, a maioria das metanálises que demonstraram efeito positivo da suplementação de vitamina D sobre o risco de fraturas não-vertebrais e de quadril envolveu a combinação com a suplementação de cálcio. Já quando a reposição de vitamina D é avaliada de forma isolada, os resultados costumam ser mais inconsistentes, apontando mais fortemente para a falta de benefício.
Também vale lembrar que todos os estudos pivotais que demonstraram o benefício na redução do risco de fraturas das drogas anti-osteoporose utilizadas na prática clínica fizeram reposição conjunta de cálcio e vitamina D, de modo que não podemos afirmar que o benefício seria o mesmo na ausência destas suplementações.
Os próprios autores do VITAL trial reconhecem que os resultados apresentados não podem ser extrapolados para pacientes com osteoporose ou osteomalácia ou para idosos institucionalizados. Da mesma forma, não se pode extrapolar estas conclusões para uma população com deficiência de vitamina D (especialmente com níveis abaixo de 20 ng/dl).
Conclui-se, portanto, que a suplementação de vitamina D deve ser direcionada para populações específicas nas quais um benefício sobre a saúde óssea parece ser mais provável. Já para indivíduos saudáveis, mesmo idosos, sem deficiência de vitamina D e sem doença osteometabólica, a suplementação parece ser inútil até mesmo para prevenir fraturas de fragilidade. Será que mais algum estudo validará estes achados?